sobre as regras das regras.

- mas o senhor precisa entender que tudo isso é muito desnecessário. tá na hora de jogar uma mutação aí, variar pra melhor, sumir com tanta agonia.
- mariella, tudo isso é um processo muito bonito. vidas participam disso. novas vidas, a propósito.
- olha, vou tentar analisar como se uma coisa boa fosse, mas vê só o ciclo, aqui, comigo. mensalmente, o senhor faz com que nosso útero esteja preparadíssimo pra receber um óvulo fecundado, certo?!
- certo, procede, é assim mesmo. mas nem todas têm esse privilégio, saiba.
- ótimo, compreensível. o problema está em expelir os resquícios da parede do útero que não foram utilizados, porque o óvulo nunca chegou a ser fecundado, na realidade. e a dor vem, pelas contrações pra jogar fora o material que não foi aproveitado. sinceramente, senhor, não acha cruel demais ter que passar por tanta dor e desconforto, em soma ao fato de nenhum espermatozóide ter passeado pelas bandas do meu aparelho reprodutor pra me fecundar?! não tem piedade do fato de eu estar longe de contribuir para a tal falada e almejada chegada de novas vidas?!
- mariella, não é bem assim.
- lógico, nunca vai ser bem assim. o senhor nem menstruar menstrua. menstrua?
- eu não tenho sexo, não faria a menor diferença.
- pois cá estou eu para lhe dizer que, mensalmente, é uma diferença enorme.
- o que você quer que eu faça, pelo amor de deus? valha, ficou estranho falar de mim na terceira pessoa, não foi? vejamos, como lhe ajudar, pelo meu amor por vocês, meus filhos?
- suspenda o sangreiro, por favor. sujar-se e contorcer-se de dor é humilhante. é como se eu precisasse de mais coisas pra me lembrar de como sou incapaz de arrumar um parceiro saudável para fecundar o (meu) óvulo, a cada mês. fora o dinheiro gasto com absorventes e remédios para a dor, indispensáveis.
- seu ciclo é regular, ao menos?
- meu senhor, não. aquele canalha conhecido do senhor, o murphy, e sua teoria teimam em não querer me largar.
- e já considerou anticoncepcionais para regularizar o ciclo? dizem que funciona bem.
- o senhor está me achando pouco inchada? acha que estou imune aos efeitos colaterais? uma vaca, meu senhor, com todo o respeito. é assim que fico antes das regras e adotando a pílula. no fim das contas, tanto faz.
- certo, estou anotando. talvez alguns melhoramentos. não para mudança imediata, mas em algumas centenas de anos, tudo estará diferente.
- ah, tudo bem, minhas bisnetas, se tiverem sorte, coitadas, agradecem antecipadamente.
- não seja tão hostil. tudo aqui por cima ocorre em proporções muito maiores. requer muito esforço; é mexer com a natureza humana e com as leis da reprodução.
- pouco me importa, sabe? é isso aí. a natureza humana sempre me foi cruel, verdade seja dita. e pode abolir do mundo o absorvente interno. soube de perfurações horrorosas. tenha vergonha e acabe com isso.
- mariella, contenha-se. está muito exaltada.
- exaltada?! exaltada?! ok, eu tento, mas estou no meu período de tensão pré-menstrual. agüente enquanto/se puder. e eu acho é pouco.
- mais respeito, mocinha.
- fale comigo em uma semana, sim? obrigada pela atenção dispensada, meu senhor.
- farei o possível; tentarei. próximo!
- sabe o que é, senhor deus...